terça-feira, dezembro 19, 2006

Desejo VI

A noite começou bem, ela foi jantar com um casal amigo a um restaurante russo que adorava, comeram peixe cru, marinado com pimenta e beberam muito vodka, do melhor que há e bem gelado... A conversa fluiu solta e cativante, e as horas voaram nos relógios esquecidos a partir do momento que entraram no restaurante.
O ambiente era de tensão latente, estava um clima de sedução inerente a todas as palavras que eram ditas e os olhares denunciavam vontades que até aqui nunca tinham sido evidentes. Parecia estar tudo a caminhar para o sentido de que íam os três para casa, mas ela não queria...
Não naquela noite em que já tinha na cabeça o olhar penetrante e as mãos fortes e suaves daquele que realmente a enchia de vontade e com quem não estava há mais de três meses...
Despediu-se do casal no meio de uma confusão infernal de sábado à noite, debaixo de uma chuva miudinha que tendia a engrossar.
Sozinha, mas decidida a cumprir o seu objectivo, caminhava a passo acelerado por entre as pessoas e percebeu naquela altura que já estava com um copo a mais. Respirou fundo, usou todas as suas forças para se controlar e com o seu maior charme furou a fila gigante que se amontoava debaixo do pequeno toldo à porta do bar da moda ao lado do sítio que era o seu objectivo final.
Passando à frente de todos os que ali esperavam pela sua vez ao frio e à chuva, entrou e lá dentro a casa estava cheia de rostos desconhecidos.
Sem mais demoras, dirigiu-se ao balcão, fez a festa do costume à amiga que trabalha no bar, e pediu mais um vodka puro com gelo, que bebeu de supetão enquanto punha a conversa e as fofoquices em dia.
O ambiente era de festa mas ela tinha que olhar nos olhos daquele gato selvagem que trabalhava na casa ao lado. Despediu-se e saiu.
10 passos depois estava perante uma realidade completamente antagónica da anterior, a porta estava vazia e mal acabara de dizer "Boa noite" já o porteiro lhe tinha dito para entrar.
Entrou e o seu olhar feroz e sequioso buscava uma só imagem, um só corpo, aniquilando completamente todos os outros que por ela passavam e lhe toldavam a visibilidade.
A ansiedade começou a aumentar visivelmente quando não o encontrou em lado nenhum... Parou junto a um dos bares, pediu mais um vodka puro com gelo, e juntamente com o pagamento perguntou por ele... "ah, está na sua pausa..." aquilo pareceu-lhe muito estranho... Acendeu um cigarro, e deixou-se ficar encostada ao balcão, bebericando o seu néctar, e na expectativa de de o ver a qualquer momento.
O cigarro acabou e com ele a sua paciência. Deixou a vodka em cima do balcão, agarrou nas suas coisas e decidiu procurar mais uma vez.
Encontrou-o, noutro bar.
Parou a uma certa distância do balcão e observou-o a trabalhar, na sua languidez de gato felino, sempre pronto a atacar.
As suas entranhas gelaram de prazer só de o voltar a ver. Concluiu que apesar de já não o ver há 3meses e de não lhe tocar há tanto ou há mais tempo, ainda tinha bem presente na sua memória cada contorno das suas costas, do seu peito, dos seus ombros...
Aproximou-se, mas quando ele a viu a reacção não foi a que ela esperava.
Sorriu-lhe, deu-lhe dois beijos e foi ternurento com ela como sempre fora, mas faltava ali aquele fogo de sempre, aquela química mútua que sempre os mantivera em sintonia.
Perante isto, mudou automaticamente de táctica. Deixou para trás todas as palavras doces que lhe apetecia dizer e simplesmente o informou de que só passara para lhe dar um beijo e que estava a ir para casa. Ele sabia o caminho, se quisesse que a encontrasse lá...
Derrotada pelo cansaço, pelo álcool, mas principalmente pela constatação de que afinal o tempo mata desejos, apanhou um táxi e foi para casa.
Lá fora chovia torrencialmente.
Ela sabia que ele não vinha.
Despiu-se lentamente, olhou o seu corpo nu em frente ao espelho e nem ela própria se desejava naquele momento.
Tomou um banho quente e demorado, tratou-se como uma princesa na tentativa frustrada de recuperar o seu orgulho ferido de gata rejeitada, mas de nada adiantou.Vestiu-se e deitou-se.
Pegou no telefone e mandou-lhe uma mensagem... "Vou dormir"
E assim fez.

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