Hoje na aula de Sociologia da Vida Quotidiana...
Sob o contexto do uso do corpo e do distanciamento da concepção conteporânea deste relativamente à anterior concepção histórica, e à sua recente aquisição de um estatuto individual, distanciado do sujeito, de corpo feito cena, instrumento de afirmação social, lugar onde ocorrem transformações, surgiu por parte do docente a seguinte questão:
"Perante esta perspectiva contemporânea do uso do corpo enquanto objecto, terá sido aquele acontecimento em que deliberadamente alguém quis ser comido por um outro alguém que praticava canibalismo, um acontecimento perfeitamente natural, uma vez que o nosso corpo só a nós pertence, e somos cada vez mais nós que decidimos o que fazer com ele?"
A reacção ouvida quase em uníssono na sala foi de indecisão, uns dizim que não outros não sabiam o que responder...
Senti-me totalmente sozinha na defesa da minha posição...
"Claro que sim - pensava eu - se eu quero ser literalmente comida por alguém que literalmente me quer comer viva, pedaço por pedaço, porque é que hei-de deixar de o fazer só porque a nossa sociedade não está preparada para aceitar isto como uma opção e uma manifestação do meu direito de escolha?"
A meio do meu devaneio, o professor continua, respondendo à sua própria questão:
"Claro que isto não é natural! Aliás é no mínimo preocupante!"
Ao ouvir isto gelei e senti uma certa fricção entre mim e o dito srº drº professor...
"Quanto mais não seja por questões morais - continuava ele - afinal, o canibal está a tirar a vida a uma pessoa..."
MAS SE ESSA PESSOA O CONSENTE!!! SE ELA ASSIM O QUER!!!!! Grito eu em silêncio dentro de mim...
E de repente a conversa dissipa-se porque algém resolve chamar a eutanásia ao barulho...
E eu continuo a perguntar...
Se um canibal consegue encontrar alguém que queira ser a sua presa, que direito tem a sociedade de o condenar como assassino e de impedir a realização de uma vontade mútua e de comum acordo???
Há 6 meses
1 comentário:
É complicado fazer im silogismo claro relativamente a esta questão, precisamente porque os modos e as motivações para esse consentimento têm de ser bem claras, sob pena de se quebrar uma linha muito fina entre o homicidio privilegiado (que o deixará de ser caso a eutanásia seja legalizada) e o homicídio simples e penalizável de forma mais dura.
A eutanásia tem uma substancial diferença, já que se trata de conceder uma morte a pedido dentro de determinado tipo de condições nas quais a dignidade humana está comprometida face á perduração de um sofrimento longo e irreversível.
No caso de que falas, o canibalismo foi "permitido" por uma pessoa em perfeita saúde, e embora esta tenha "consentido", tal não retira a ilicitude do acto ilegal, que fere o bem jurídico vida em onde a exculpação não se pode esgotar somente no dito assentimento.
Mas reconheço que a ideia é perfeitamente pertinente, e discutível.
Bom dia e venha esse livro.
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